Três termos trocados: paranoia, obsessão e mania

Feliz ano de 2023 para todos os que nos têm acompanhado – e para os que não nos têm acompanhado também! Sejamos solidários.
 
Continuaremos, ao longo da volta solar que acaba de principiar, a discutir e a aprofundar vários assuntos sobre a saúde mental. Assim, o presente texto servirá para esclarecer alguns conceitos que poderão ser importantes para a compreensão de outros temas. Aqui vamos…
 
Muitas vezes, usamos os termos “paranoia”, “obsessão” e “mania” como se significassem mais ou menos a mesma coisa: “Estás paranoico com esse assunto”, como em “Estás obcecado com esse assunto”, como em “Estás com a mania de…”. Contudo, na verdade, esses três termos designam fenómenos mentais totalmente distintos e independentes. Vejamos…
 
“Paranoia” é uma palavra antiga, derivada do grego “par-a-noy'a”, que significa “pensamento fora do normal” (leia-se, “fora da realidade”). Na Grécia Antiga, a palavra aplicava-se à confusão mental causada por febres altas. Contudo, no século XVIII começou a utilizar-se para designar alterações do pensamento, com desorganização ou com ideias delirantes. Ao longo do século XIX, o termo foi sendo refinado até adquirir o significado mais preciso de “delírio”. Portanto, quando além está “paranoico”, quer dizer-se que esse alguém está “delirante”, isto é, interpreta a realidade de forma errada. Neste sentido, dizer que alguém sofre de “delírios paranoides” é uma redundância.
 
Depois temos “obsessão”. Em termos clínicos, uma obsessão é um pensamento intrusivo – isto é, que surge independentemente da vontade – e que é considerado inapropriado pela pessoa, causando-lhe grande preocupação, angústia e mal-estar. Importa dizer que, apesar das obsessões serem indesejadas, estranhas e até contrárias à natureza da pessoa, esta reconhece as obsessões como suas e que não foram impostas por forças exteriores – uma diferença importante em relação aos delírios. Neste ponto, importa reforçar que o delírio é uma interpretação errada da realidade; a obsessão é uma ideia indesejada que se infiltra na mente e que causa angústia e ansiedade. Como diz? Os seus pensamentos não se “infiltram”? Consegue controlar os seus pensamentos?! Pensa apenas sobre aquilo que quer?! Hum, tem a certeza? Tente não pensar no que acabou de ler…
 
Por fim, “mania”. Em textos anteriores, dedicados à perturbação bipolar, já tínhamos visto que a “mania” designa um estado de humor elevado, marcado pelo excesso de energia, como se fosse o inverso da depressão. Como tal, não é correcto dizer-se que alguém “tem esta ou aquela mania”, uma vez que mania não designa uma vontade ou um tipo de pensamento – descreve apenas um tipo de humor, de estado emocional, se quisermos.
 
Aqui estamos. Com as três palavrinhas que aqui deixamos, já tem o leitor muito em que pensar. Mas não se desgaste: os pensamentos são como as nuvens, vão e vêm nos caprichos do vento.


Daniel Rodrigues Machado
Interno de Psiquiatria do Centro Hospitalar de Leiria
 
(Rubrica “Falemos de Saúde Mental”, publicada mensalmente no Diário de Leiria)