Perturbação de stress pós-traumático
Já na antiguidade se descreviam alterações comportamentais em alguns guerreiros antes e após grandes batalhas. No século passado o interesse e consciencialização para este problema foi aumentando com o grande número de vítimas envolvidas nas duas Grandes Guerras Mundiais e na Guerra do Vietname, quer soldados quer civis, aliado à disseminacao da cobertura jornalística destes eventos. Com a evolução da compreensão desta doença, decorrente da exposição a estes cenários avassaladores, o traumatizado passa de ser visto como “covarde e fraco”, a vítima da sua impotência perante situações catastróficas. Na realidade portuguesa, dos cerca de 800.000 soldados na Guerra Colonial, cerca de 40.000 desenvolveram sintomas compatíveis com Perturbação de Stress Pós-Traumático (PTSD).
Diversos estudos contemporâneos demonstraram que vítimas de outros tipos de trauma, como os prisioneiros de campos de concentração, vítimas de rapto ou violência doméstica, evidenciavam sintomas clínicos muito semelhantes.
A PSPT trata-se, por definição, de uma reação intensa, prolongada e retardada a um evento (de curta ou longa duração) excecionalmente stressor ou ameaçador. Pode ser considerada uma resposta maladaptativa a um evento stressor excecionalmente marcante, levando à perturbação do funcionamento pessoal e social. O evento stressor é o principal e necessário evento causal, envolvendo morte, lesão grave, ou ameaça séria à integridade física ou sexual, e a resposta a este tipo de eventos geralmente envolve medo intenso e sensação de incapacidade. No entanto, há que ter em conta que nem todas as respostas a este tipo de eventos dão origem a PTSD.
Existem vários fatores que podem contribuir para o desenvolvimento da PTSD ou agravar o seu curso, por exemplo, ser do sexo feminino, ou ter falta de suporte social, QI baixo, lesão física resultante do trauma, determinados traços de personalidade, entre outros.
A PTSD tem uma incidência vitalícia estimada de sensivelmente 7% (10% em mulheres e 5% em homens), com uma prevalência anual de 1,1% na Europa, e de 3,6% nos EUA.
É mais frequente no sexo feminino, embora os homens tenham maior probabilidade de experimentar eventos traumáticos. Nos homens a PTSD é mais decorrente de eventos de natureza traumática de grande violência (combate, acidentes de trabalho), enquanto nas mulheres grande parte dos quadros ocorrem na sequência de abuso físico e violência sexual. Neste particular, estudos demonstram que cerca de 1/3 das mulheres no mundo sofrem ou sofreram nalgum ponto da sua vida violência física ou abuso sexual pelos companheiros, registando-se uma prevalência de 2 a 5% de violações sexuais contra mulheres (esmagadora maioria) no mundo, 12 milhões por ano na realidade europeia, sendo que aproximadamente 50% destas desenvolvem PTSD.
Cerca de metade dos casos recupera ao fim de um ano de evolução, mas até 1/3 mantém o quadro ao fim de vários anos. É uma síndrome por vezes camuflada e presente em indivíduos que apresentam queixas inespecíficas e arrastadas ao longo do tempo, quer a nível físico quer psicológico, sem aparente causa orgânica, até ser explorada a sua história de vida.
Respostas de coping (formas de lidar com a situação) maladaptativas são frequentes, como por exemplo comportamento agressivo persistente, abuso de álcool e drogas, comportamentos auto-lesivos (chegando ao suicídio), marginalidade, entre outros. Cerca de 80% dos indivíduos com PTSD terão outra comorbilidade psiquiátrica ao longo da vida, quer a nível afetivo, de ansiedade, abuso de substâncias, ou somatização, aumentando significativamente o risco de primeiro episódio depressivo, dor crónica, bem como o risco de abuso de substâncias, inicialmente utilizadas como auto-medicação com satisfação própria a curto prazo mas que exacerba a sintomatologia a longo prazo.
O Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental do CHL proporciona a ajuda necessária para fazer face à Perturbação de Stress Pós-Traumático.
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Por Rafael Araújo, Serviço de Psiquiatria e Saúde Mental do CHL
Sintomas
Estes geralmente iniciam-se num período de alguns dias a semanas, em menos de seis meses a partir do evento. São condicionados pelo neurocircuito do medo e ansiedade, o qual provoca respostas neuroendócrinas, do sistema nervoso autonómico e motoras.
Centram-se em três grupos principais:
Hiperexcitabilidade – Ansiedade persistente, irritabilidade, insónia, défice de concentração, hipervigilância;
Evitamento – Dificuldade em recordar o evento, evitamento de situações que façam recordar o trauma, embotamento afetivo, perda de interesse em atividades, desapego social;
Intrusividade e revivescências – Imagens intrusivas intensas enquanto acordado, pesadelos recorrentes, flashbacks, pensamentos repetidos acerca do evento.
Para além desta tríade diagnóstica estão associados sentimentos de culpa, sintomas vegetativos e perturbações do humor e do comportamento. O abuso de substâncias é comum bem como o aparecimento de várias outras comorbilidades psiquiátricas.
Tratamento
A melhor forma de tratamento é combinar medicação com psicoterapia.
O tratamento farmacológico é variado, e com a sua base na terapia antidepressiva. As melhorias sintomáticas geralmente começam a ser evidentes ao fim de seis meses e a descontinuação do tratamento frequentemente leva à recaída.
O tipo de psicoterapia mais indicada é a cognitivo-comportamental, que assenta essencialmente na exposição (enfrentar os traumas); dessensibilização sistemática; treino de inoculação de stress; e terapia cognitiva, assente na premissa de que “É a interpretação que cada um faz dos eventos, mais do que os eventos em si, que determinam as reações emocionais”. Foca-se no controlo da situação atual e no que se pode fazer quanto ao impacto do evento, mais do que em como este poderia ter sido evitado ou como ser prevenido no futuro, restituindo às vítimas a sensação de controlo.