Para desfrutar basta viver
Último texto do ano e último sobre o tema que temos vindo a trabalhar: o álcool. Vamos então sem demoras, que o Ano Novo é próximo!
Foquemo-nos em mais alguns mitos sobre o álcool, ou melhor, sobre as bebidas alcoólicas.
“As bebidas fortes, como a aguardente, tratam as gripes”. Esta é uma mezinha famosa, havendo até variedades em que se adiciona uma colher ou duas de mel, uma rodela ou casca de limão e, para quem aprecia sabores mais natalícios, canela ou cravinho. Pois bem, não querendo ser portador de desilusões, este remédio caseiro não tem qualquer utilidade e assenta em ideias totalmente erradas tanto sobre o álcool como sobre a gripe. Embora seja uma ideia aliciante, as bebidas alcoólicas não têm quaisquer propriedades terapêuticas. Como? Não, nem sequer o vinho quente! Quando muito, o álcool etílico, na sua forma pura, pode ser usado como desinfectante e pouco mais.
Por outro lado, as gripes são causadas pelo vírus influenza, que infecta as vias aéreas. “Vencer” o vírus e, em consequência, tratar a gripe depende do nosso sistema imunitário, que é capaz de reconhecer e “combater” o vírus. A tarefa pode ser facilitada se o nosso sistema imunitário já tiver tido contacto prévio com o vírus, ou um que seja parecido, através da vacinação. Repare o leitor que nem os antibióticos servem para tratar infecções víricas. Portanto, se tiver uma gripe, agasalhe-se, beba muitos líquidos (não alcoólicos, claro está), alimente-se bem e… espere. Deixe as mezinhas onde elas ficam melhor: no armário das curiosidades populares.
“O álcool deixa os sentidos mais apurados, a inteligência aguçada e o corpo mais ágil”. Esta é outra ideia curiosa, mais ou menos popular. Por esta altura, não lhe causará surpresa, caro leitor, se lhe disser que é absolutamente falsa. Quando bebemos um pouco mais do que o devido, ficamos ébrios, e nesse estado não é estranho que haja uma certa desinibição social associada a uma elevação do humor, com alguma euforia. Este estado, em combinação com a alteração do estado de consciência induzida pelo álcool, pode causar a sensação de sermos mais ágeis, leves, perspicazes, inteligentes, desenvoltos e criativos quando bebemos. Não só isto não é verdade, como acontece precisamente o contrário: o álcool deixa quem o bebe em excesso mais entorpecido, menos ágil, lento e pouco imaginativo.
As festas de fim de ano aproximam-se e com elas os grandes festejos com família e amigos. Sem dúvida, festejar é do melhor que há para se fazer enquanto ser humano (nesta ou noutra época qualquer). Simplesmente, aproveite, desfrute, goze, ria, cante, dance, entretenha-se e deixe-se entreter, receba e partilhe e viva o máximo que lhe aprouver. Em tudo isto, o álcool não deve passar de um apontamento, supérfluo e dispensável como os seus vapores. Para desfrutar da vida só precisa daquilo de que ela é feita: você e os outros.
Festas Felizes!
Daniel Rodrigues Machado
Daniel Rodrigues Machado
Interno de Psiquiatria do Centro Hospitalar de Leiria
(Rubrica “Falemos de Saúde Mental”, publicada mensalmente no Diário de Leiria)