O calor que nos engana – parte II

Comecemos com um uma breve revisão. “Bebida-padrão”, lembra-se? Não? Vagamente? Bom, aqui vai, para refrescar a memória: uma bebida-padrão corresponde ao volume, de qualquer bebida, que contém cerca de 12 mL de álcool. Assim, em termos de volume de álcool bebido: 1 copo de vinho = 1 cerveja = 1 whiskey = 1 aguardente = 1 ginja = 12 mL de álcool etílico. O limite aconselhado são 2 bebidas-padrão para os homens até aos 50 anos de idade, e 1 bebida-padrão para as mulheres. 
 
Revisto o que é a bebida-padrão, falemos de alguns mitos associados ao álcool.
 
O álcool aquece. Falso…
 
Calma! 1 copo de vinho = 12 mL de álcool etílico?! Aquele da farmácia, para desinfectar?” Lamento desiludi-lo, caro leitor, mas é verdade: a substância etérea que faz do vinho, e das outras bebidas alcoólicas, inebriante é o álcool etílico, igualzinho ao das farmácias. Igualzinho na medida em que é exactamente a mesma molécula, sem tirar nem pôr: etanol – C2H6O. O etanol é sempre o mesmo, seja no frasquinho da farmácia ou numa garrafa de vinho de uma boa colheita. Claro, os restantes ingredientes é que fazem e distinguem a bebida, mas desengane-se se pensa que o álcool do seu copo de sangria é diferente do álcool de farmácia para as feridas. Voltemos, portanto, aos mitos.
 
“O álcool aquece”. Falso. O álcool etílico não aquece. Quando muito, inflama, se lhe chegarem fogo. A sensação de calor interior que temos ao beber um whiskey, por exemplo, deve-se às propriedades vasodilatadoras do etanol. Esse efeito vasodilatador leva a que mais sangue circule para a superfície do corpo e para as extremidades, criando a sensação de calor. Ora, num dia quente dá-se o mesmo fenómeno: mais sangue é desviado para a superfície do corpo, para dissipar calor. Assim, se estiver enregelado, evite o álcool. A não ser que prefira a hipotermia, claro. Gostos não se discutem…
 
O álcool dá força”. Outra falsidade, esta muitas vezes sob a forma de sopas doces de cavalo cansado. Um remédio bem conhecido e antigo para o cansaço e falta de força, muitos acreditam ir buscar força ao vinho. Pois bem, o álcool etílico não tem propriedades nutritivas ou alimentares, pelo que não é capaz de “dar força”. Anestesiar e diminuir o nível de consciência, isso sim! O que sempre ajuda a enganar e continuar a trabalhar, ainda que mal e com défices energéticos.
 
Portanto, até agora contamos três mitos sobre as bebidas alcoólicas: o álcool das bebidas é diferente do álcool etílico das farmácias – falso; o álcool aquece – falso; o álcool dá força – falso. Fiquemo-nos por aqui: mais mitos virão na próxima rubrica.
 
Entretanto, é preciso dizer (repetir): consumir bebidas alcoólicas não é um problema em si mesmo, desde que com moderação (a tal história da bebida-padrão). Esta ideia deve aplicar-se a todos os hábitos de vida. O álcool não é diferente.
 
Um bom S. Martinho!

 
Daniel Rodrigues Machado
Interno de Psiquiatria do Centro Hospitalar de Leiria
 
(Rubrica “Falemos de Saúde Mental”, publicada mensalmente no Diário de Leiria)