O calor que nos engana
Falemos de dependência.
“Drogas”, é talvez a palavra que nos surge imediatamente na mente. De facto, por motivos mais ou menos óbvios, é fácil e imediato associarmos dependência ao consumo de drogas.
Contudo há várias outras dependências. Umas envolvem substâncias, tal como tabaco e alguns medicamentos (quando usados indevidamente, entenda-se), e outras não têm substâncias, como sejam a dependência do jogo, sexo, pornografia ou redes sociais. Curiosamente, os circuitos e os neurotransmissores cerebrais envolvidos são semelhantes entre os vários tipos de dependência, mas fique o leitor descansado que não me vou lançar numa explicação exaustiva sobre o tema.
Da lista, falta uma substância também capaz de criar dependência. É a mais consumida em Portugal, está disponível em todo o lado e é relativamente barata. Mais ainda, tem uma excelente aceitação social. Aliás, é tão bem aceite que chega a incentivar-se animadamente o seu consumo. Já sabe qual é? Sim, é o álcool.
É talvez difícil olhar para as bebidas alcoólicas como fonte de dependência, no mesmo nível das outras drogas como a canábis, a cocaína ou a heroína. Porém, a verdade é que o álcool pode, quando consumido em excesso, criar uma adição grave, difícil de controlar e que, nos casos mais graves, pode não ter retorno. Por ser um problema (muito) grave em Portugal, interessa falarmos um pouco sobre o álcool e sobre a adição que pode resultar do seu consumo excessivo.
Comecemos por definir o que é “consumo excessivo” de álcool. Para este fim, considera-se o número de bebidas-padrão por dia que não devemos ultrapassar.
“Bebida-padrão?! Já está a ficar complicado”. Explico com exemplos. Uma cerveja tem o mesmo volume aproximado de álcool (300 mL x 4% = 12 mL de álcool) de um copo de vinho (100 mL x 12% = 12 mL de álcool) e de um copo de bebida espirituosa, como o whiskey (30 mL x 40% = 12 mL de álcool). Ou seja, em termos de volume de álcool bebido, beber uma cerveja é o mesmo que beber um copo de vinho, que é o mesmo que beber um whiskey. Estranho, não é? Mas é mesmo assim. A química não engana – nós é que estamos muitas vezes enganados.
Voltando ao “consumo excessivo”. Para um homem até aos 50 anos de idade, o limite são duas bebidas-padrão por dia, por exemplo, dois copos de cerveja ou dois whiskeys. A partir dos 50 anos, o limite reduz-se para uma bebida-padrão por dia. No caso das mulheres, o limite é uma bebida-padrão por dia.
E de onde vêm estes valores? Vêm da biologia humana. Este número de bebidas diários é determinado pelo volume máximo de álcool que o nosso fígado consegue processar. Tudo o mais do que isto, é consumo excessivo.
Fiquemos, para já, com esta ideia do que é a bebida-padrão. Há ainda muito para dizer sobre o álcool. A ele voltaremos nos próximos números.
Até lá!
Daniel Rodrigues Machado
Interno de Psiquiatria do Centro Hospitalar de Leiria
(Rubrica “Falemos de Saúde Mental”, publicada mensalmente no Diário de Leiria)