Médicos da cabeça: a diferença entre a Psiquiatria e a Neurologia
O cérebro humano é, muito provavelmente, o órgão mais complexo que existe. Entre muitas outras tarefas é responsável por: regular a fome, a sede, o equilíbrio e a temperatura; perceber os cinco sentidos; gerar os pensamentos, emoções, sentimentos e afectos; registar e reviver as memórias; permitir a interacção social com outras pessoas.
Todas estas tarefas são espantosamente complicadas! Por isso, não é de admirar que alguns médicos se dediquem a diferentes funções do sistema nervoso. É desta necessidade de “repartir tarefas” que surgem a Psiquiatria e a Neurologia. Na rubrica deste mês vamos tentar esclarecer, em traços gerais, o que faz cada uma delas.
Antes de avançarmos, para ajudar a explicar, pensemos na seguinte comparação: imaginemos que o cérebro é como um computador, e o restante sistema nervoso (os nervos) são os acessórios (colunas, teclado, rato, etc.) ligados ao computador. O funcionamento correcto do computador como um todo assenta em duas partes principais: o hardware (parte física) e o software (parte dos programas). De modo geral, a Neurologia vai ocupar-se da parte física e a Psiquiatria da parte dos programas.
Comecemos pela Neurologia. Esta área médica dedica-se ao estudo do funcionamento físico do sistema nervoso: os médicos neurologistas cuidam sobretudo de problemas “físicos” que atingem as peças e componentes – hardware (fios, circuitos, processadores, etc.) que compõem o computador (cérebro) e os acessórios (nervos). Esses problemas físicos podem ser medidos e analisados objectivamente, com escalas e testes físicos.
Agora, a Psiquiatria. Se os neurologistas estão mais ocupados com os problemas de hardware (físicos) do cérebro e dos nervos, os psiquiatras estão sobretudo preocupados com problemas de software (programas que geram pensamentos, emoções e sentimentos). Mesmo que o sistema nervoso (computador e acessórios) funcionem bem do ponto de vista físico, os programas instalados no computador podem desenvolver erros que prejudicam o seu funcionamento. É trabalho dos psiquiatras detectar o que está a falhar com os programas e, com medicação e técnicas de psicoterapia adequadas, ajudar a corrigir as falhas (o que nem sempre é possível) ou a minimizar o impacto que elas têm no funcionamento do indivíduo.
Naturalmente, sendo o sistema nervoso, e o cérebro em particular, tão intrincados, é frequente que problemas neurológicos de hardware causem problemas no processamento dos programas mentais, e que problemas mentais de software atinjam a parte física do sistema. Neste sentido, a Neurologia e a Psiquiatria complementam-se, e os neurologistas e psiquiatras, ainda que dedicados a tarefas diferentes, falam frequentemente entre si sempre com um único objectivo superior: ajudar os doentes.
Artigo elaborado por:
Daniel R. Machado
Interno de Psiquiatria do Centro Hospitalar de Leiria
(Rubrica “Falemos de Saúde Mental”, publicada mensalmente no Diário de Leiria)