Doença Bipolar - A vida entre dois polos

A vida entre dois polos


Todos os humanos – excepto, talvez, os habitantes da Estação Espacial Internacional – vivem entre dois polos: o polo norte e o polo sul. Mas há uma percentagem (1,8-4%) de pessoas que vive entre outros dois polos, desta feita, não geográficos, mas sim do estado do humor: depressão e mania. No texto deste mês, e depois de termos aprendido um pouco sobre depressão, antidepressivos e psicologia, vamos introduzir o tema da doença bipolar.
 
A doença bipolar, tal como muitas outras, tem mitos, preconceitos, crenças erradas e estigma associados. Muitos pensam que as pessoas com doença bipolar oscilam a sua disposição ao longo do dia: num momento tristes e aborrecidas, no instante seguinte alegres e cheias de energia; ora contentes e tranquilas, e logo a explodir de irritação, numa reacção emotiva intensa ao que se passa à volta delas – “tanto está bem, como está mal! É de luas!”. Muitos imaginam ainda que a pessoa tem dois polos, duas pessoas diferentes dentro de si, como na “dupla personalidade” e como se vê nos filmes. Isto está errado.
 
Na verdade, a doença bipolar é uma doença psiquiátrica complexa, grave e crónica. Esta doença caracteriza-se por oscilações do humor entre dois polos (daí a designação “bipolar”), mas não da forma em que estamos habituados a imaginar. Para efeitos simples, num dos polos está a “depressão”, e no outro polo está a “mania”. 
 
De forma breve, a depressão bipolar é, muitas vezes, mais violenta, pesada e profunda do que a depressão major de que falamos em textos anteriores, e tipicamente tem  um início, duração e resolução mais curtos. Depois, temos a “mania”, no polo oposto ao da depressão.  A mania traduz-se por um humor eufórico, com uma energia excessiva, que, muitas vezes, traz consigo irritação, diminuição da necessidade de dormir, muitos projectos grandiosos e gastos excessivos, entre outros sintomas graves. Por ser muito complexa, voltaremos a falar de mania na próxima rubrica. Valerá a pena. Prometo!
 
Entretanto, ambos os polos são estados graves e causadores de sofrimento, tanto para os doentes como seus próximos, e precisam de ser avaliados e tratados o mais rapidamente possível.
 
É importante dizer que – e isto é mesmo importante! – entre os períodos de depressão e mania há períodos de estabilidade (meses, anos, décadas…) em que a pessoa mantém um nível de humor “normal” (“eutímico”, como dizem os psiquiatras). Ora, existem tratamentos bastante eficazes para a doença bipolar, cujo objectivo é… Bom, já percebeu! É isso mesmo: manter os períodos de normalidade e estabilidade do humor durante o maior período de tempo possível.
 
Entretanto, não se deixe ficar entre os polos do desconhecimento e do estigma. Alargue horizontes e aproveite a Primavera: é uma altura de grandes mudanças! Como, aliás, veremos no próximo texto.


 
Daniel Rodrigues Machado
Interno de Psiquiatria do Centro Hospitalar de Leiria

(Rubrica “Falemos de Saúde Mental”, publicada mensalmente no Diário de Leiria)
 

Mania!

Mania!

Continuemos a explorar a doença bipolar. Esta caracteriza-se pela ocorrência de períodos de depressão (apelidada, por vezes, de “bipolar”) e de períodos de mania, intercalados por intervalos de estabilidade. Ora, importa então esclarecer o que é o “humor” e o que é, afinal, a “mania” (da depressão já falamos. Na doença bipolar pode adquirir características diferentes da depressão “unipolar” mas, para bem da simplicidade, vamos assumir que são semelhantes).
 
O “humor” de que os psiquiatras gostam tanto de falar não é o humor da comédia, que tão bem nos faz através do riso. Quando um médico fala do humor, refere-se, na verdade, ao que se pode definir como o “estado de espírito” da pessoa, num determinado período de tempo. Encontrar uma definição definitiva do que é o humor pode ser complicado, por isso vamos tentar uma analogia: o humor é como se fosse o clima que faz no espírito da pessoa. Ora, o clima pode ser mais chuvoso, mais frio, mais quente, mais primaveril, com nuvens, e por aí em diante. Da mesma forma, o humor da pessoa pode ser estável ou, então, mais triste, mais alegre, mais receoso, mais expansivo, e por aí fora.
 
A depressão, por exemplo, define-se por um humor triste e melancólico: um humor deprimido. Ora, já sabemos que a doença bipolar oscila entre estados de humor opostos. Assim, se de um lado temos a depressão, do outro temos… isso mesmo, a mania. A mania, dito de forma simples, é um estado anímico caracterizado por uma elevação (“elacção” como dizem os psiquiatras) do humor.
 
Pois, tudo muito certo, mas o que acontece com essa tal elevação do humor? Alguém que esteja num estado de mania pode apresentar diminuição marcada da necessidade de dormir, envolver-se em inúmeros projectos (por vezes megalómanos!) que não chega a concluir, desinibir-se, ter comportamentos inadequados, comprar coisas em excesso e que habitualmente não compraria, pensar muito depressa (tão depressa que se torna difícil para os outros acompanharem o raciocínio). As pessoas neste estado sentem, geralmente, uma enorme sensação de bem-estar, energia inesgotável, entusiasmo sem limites e, em situações mais graves, chegam a acreditar que têm superpoderes, são infinitamente ricas e poderosas, e até podem acreditar que são elas as responsáveis pelo funcionamento do mundo… 
 
Regra geral, a pessoa em mania não tem crítica, isto é, não consegue perceber que o seu estado é de doença e que precisa de ser tratado. O estado de mania é tão importante na doença bipolar que basta um único episódio maníaco para que se faça o diagnóstico da doença, mesmo sem história de episódios de depressão.
 
Pela descrição acima, diagnosticar uma mania ou mesmo doença bipolar pode parecer simples. Não é. Requer um olho clínico treinado e conhecimento aprofundado sobre doença mental. Por isso, o melhor a fazer é sempre o mesmo: se necessitar, procure ajuda junto do seu médico.

 
Daniel Rodrigues Machado
Interno de Psiquiatria do Centro Hospitalar de Leiria

(Rubrica “Falemos de Saúde Mental”, publicada mensalmente no Diário de Leiria)