Trabalhar em Cuidados Paliativos – a experiência da EIHSCP do Centro Hospitalar de Leiria
Todo o ser humano passa pela condição de ser vulnerável desde que nasce até ao momento da sua morte. Perante uma experiência de doença, de fragilidade e de perda, enfrenta os seus próprios limites, a dependência dos outros e o encarar da própria finitude, gerando-se grande angústia e sofrimento.
Desta condição de vulnerabilidade advém a responsabilidade, e o dever de proteção e de respeito pela dignidade do outro, e por princípio ético o cuidar. O encontro do “eu” com o “outro”, em que um procura e o outro oferece amparo e onde as vulnerabilidades de ambos se tocam.
Em Cuidados Paliativos assumimos o compromisso de não abandono e de acompanhamento. E em momentos difíceis, quando a resposta encontrada é “já não há nada a fazer”, procuramos dar uma resposta com Humanidade, auxiliando o outro a adaptar-se a uma nova realidade que não é possível vencer sem sofrimento, sem o suporte ou apoio de uma equipa multidisciplinar.
Cuidados “maiores” centrados na Pessoa e não na doença, que visam o seu bem-estar, qualidade de vida, e acima de tudo a sua dignidade. O reconhecer da dignidade do outro leva à compaixão, atitude essencial e competência fundamental no nosso cuidado. Cuidar compassivamente é cuidar com o coração e com a razão. É acima de tudo ter uma profunda consciência do sofrimento do outro, demonstrando atenção e sensibilidade para com o que sofre, associado à determinação em fazer tudo o que for possível e necessário para aliviar o seu sofrimento. E seguramente que a linguagem da compaixão transforma todos aqueles que a vivem.
Ter a capacidade de nos colocarmos no papel do outro é um desafio diário e constante, ao qual, a partir do momento em que é atingido, tudo flui. Ser capaz de ler sentimentos através do olhar, de perceber a expressão por detrás da máscara, ser capaz de sentir o frio das lágrimas a escorrer pelo rosto e o coração a bater mais forte com o calor do toque. Quando somos capazes de sentir a esposa, o filho, a irmã, o neto, a mãe, o cuidador, o doente, fazemos o que de melhor há em cuidados paliativos que é cuidar, cuidar do outro como queremos cuidar dos nossos e como queremos ser cuidados nos nossos últimos dias de vida.
Para nós é um tempo de verdade, de mudança, o estar autêntica e totalmente presentes, é o fortalecer de relações num momento de grande intensidade da vida dos nossos doentes e da sua família, é o permitirmo-nos a sentir as emoções e as vivências do outro, é o destronamento do egocentrismo, um tempo de aprendizagem mútua, uma partilha de vulnerabilidades que implica uma postura de coragem, e o ir ao mais profundo de nós.
É urgente questionarmo-nos relativamente à nossa intervenção e a forma como ela pode influenciar o dia-a-dia dos nossos doentes. Mais do que fazer, importa medir a qualidade e o impacto de tais feitos na vida do doente e da sua família.
É um direito de todos nós, numa trajetória de doença, ter acesso a cuidados de excelência que contribuem para o alívio do sofrimento em todas as suas dimensões e para a melhoria da qualidade de vida.
Os Cuidados Paliativos têm um impacto positivo e transformador na vivência dos doentes e famílias, mas também em nós profissionais de saúde. E nós Paliativistas que cuidamos (com)paixão estamos certas que todos os doentes que vamos encontrar ao longo do nosso caminho profissional nos farão encontrar o caminho de volta.
Artigo elaborado pela Equipa Intra-Hospitalar de Suporte em Cuidados Paliativos do CHL.
Quando nascemos, todos temos os cuidados necessários para que tenhamos um belo início de vida. E quando estamos gravemente doentes? Todos devemos ter direito a cuidados especializados que nos acompanhem mesmo quando a cura não é possível! Não queremos ouvir "Não há nada a fazer"... Há Muito a fazer…
Cuidados Paliativos (CP) são um conjunto de cuidados que visam melhorar a qualidade de vida de uma pessoa doente e dos seus familiares, aliviando e prevenindo o sofrimento diante de uma doença que pode pôr fim à sua vida. Em Cuidados Paliativos a pessoa é cuidada no seu todo. É vista como um indivíduo que não se distingue do seu núcleo familiar e social, pois aí reside o seu "eu". O compromisso e o cuidar dos Cuidados Paliativos é com a pessoa e com as pessoas que a rodeiam, independentemente das crenças, história de vida ou escolhas.
Em CP ninguém fica para trás. Mas será que chegamos a todos aqueles que precisam de Cuidados Paliativos? Não, não chegamos e sabemos que para que todos os doentes tenham acesso a cuidados de saúde adequados e sejam acompanhados com cuidados de saúde rigorosos e promotores da dignidade humana, numa verdadeira intervenção de inclusão social e de cidadania, torna-se fundamental a execução de um processo de planeamento de um programa nacional ou local de Cuidados Paliativos, de forma a identificar a quantidade de recursos necessários a implementar em cada região.
Todos os dias, enquanto profissionais de CP, lidamos com o sofrimento do outro e com o fim da vida. Dias árduos e duros, cuja missão é fazer a diferença na vida do outro, diferença esta que tanto nos transforma enquanto profissionais, enquanto mulheres, esposas, mães, filhas, netas, amigas que somos.
Os nossos doentes e as suas famílias vivem momentos angustiantes; a nossa capacidade de resiliência e empatia permite-nos assumir um compromisso com estes, que passa pelo não abandono do seu processo de doença, proporcionando dignidade até ao fim, olhando para quem cuidamos como Pessoas que são. Tantas vezes pensamos como a história daqueles que ouvimos podia ser a nossa história, tantas vezes nos questionamos e se fossemos nós? Ou os nossos? O que faríamos? O que sentiríamos? Tantas vezes nos apetece dar um abraço tão apertado e gritar tão, mas tão alto na esperança de que todo o sofrimento se evapore.
Todos os dias damos o nosso melhor, gerindo a esperança de quem sabe que o final de vida se vai aproximando assumindo a missão de acrescentar cor e vida aos dias!
Mas, os dias difíceis também nos assolam com uma grande sobrecarga física e emocional. Alimentar os nossos sonhos mantém-nos focados na certeza de que o caminho se vai construindo.
O esforço de todos os doentes, famílias e profissionais de saúde de proximidade é digno do nosso reconhecimento.
Ter uma Equipa que nos permita acreditar, que nos permita sentir que não estamos sós, é também a nossa maior insígnia. Somos apenas UM!
E que NINGUÉM FIQUE PARA TRÁS, é esta a missão dos Cuidados Paliativos. É para isso que lutamos.
É este o nosso compromisso: Não Abandonamos, Acompanhamos para dar Vida a cada dia!
Os CUIDADOS PALIATIVOS são um DIREITO HUMANO UNIVERSAL em Saúde! Assim continuaremos embarcados neste desafio, como EQUIPA que somos, de continuar a dar a DIGNIDADE a que todos devem ter acesso e precisam, enquanto Pessoas que são VIDA até ao fim!
Catarina Faria
Diretora do Serviço de Cuidados Paliativos do Centro Hospitalar de Leiria, artigo escrito em colaboração com toda a equipa do Serviço
(outubro de 2021)
Cuidar de quem cuida. E de mim, quem cuida?
Outubro é o mês dos Cuidados Paliativos, e este ano a Worldwide Hospice Palliative Care Alliance (WHPCA) escolheu o tema “Healing Hearts and Communities” - Curar corações e comunidades. Um tema que surge principalmente devido à pandemia Covid 19 em que muitos partiram sozinhos, sem o toque do seu familiar ou amigo, uma época de solidão para muitos doentes, família, cuidadores e profissionais de saúde. É certamente correto afirmar que muitos corações ficaram partidos e ainda buscam a sua cura.
Ao trabalhar em Cuidados Paliativos, a temática escolhida para este ano reúne ainda mais relevo. Nos Cuidados Paliativos falamos de quatro pilares básicos – comunicação eficaz, controlo de sintomas, apoio à família e trabalho em equipa. Como cuidar de quem cuida, quando este não pode estar junto do seu ente querido, não o pode tocar, não o pode consolar, sentir, amar ou simplesmente estar? Logo aqui a pandemia levou-nos um dos nossos pilares essenciais no cuidar em Cuidados Paliativos, levou e continua a levar com as restrições que se mantêm nos acessos aos cuidados de saúde, às visitas aos hospitais, lares ou unidades de cuidados (qualquer que seja a tipologia) para aqueles doentes mais complexos em fim de vida, em que a família perde a capacidade de cuidar e entrega o seu ente mais precioso ao profissional de saúde para cuidar.
Cuidamos de famílias e cuidadores em que as nossas melhores “armas” são a escuta ativa e a esperança, onde o compromisso de acompanhar e de estar disponível, seja o percurso curto ou longo, e no luto, é feito no primeiro contacto. Alguns dirão que é mais que suficiente ou melhor que nada, mas não deixa de ser frustrante que no nosso dia a dia percebemos que não é suficiente para alguns. Alguns precisam da nossa comunidade e da sociedade. Respostas escassas e que partem de esforços individuais, insuficientes para um doente e família que sofre por incapacidade de cuidar. Falo de coisas simples como acesso a ajudas técnicas e outras mais complexas, como o estatuto do cuidador informal.
Consolar aquele que tem de abrir mão do seu familiar, para que outro possa cuidar, não é tarefa fácil! O nosso silêncio ou o “não consigo ajudar” quando o pedido é para cuidar do seu familiar, mas tem de ir trabalhar para sustentar os filhos, ou a aquisição de uma ajuda técnica como uma cama articulada, não é fácil. Aqui chego ao título desta reflexão: e de mim quem cuida? Quem cuida dos profissionais de saúde?
Penso não ter resposta para estas perguntas, a não ser que temos de cuidar uns dos outros, trabalhar em equipa em união e compreensão. Afinal somos todos pessoas comuns à procura das mesmas respostas, com os mesmos problemas e com famílias também para cuidar.
Gratidão é a maior recompensa que tenho ao trabalhar em Cuidados Paliativos, não que a procure, mas ela vem diariamente ter connosco nos mais diferentes gestos e afetos por parte daqueles que cuidamos. E isto também é cuidar dos profissionais de saúde. É cuidar de mim!
Como cuidar e curar os nossos corações perante tantas dificuldades? Diria que é na persistência e na esperança, principalmente na esperança. Não sei se é a ingenuidade de quem ainda anda por aqui há poucos anos, mas aprendi a acreditar e a ter esperança, pois no pior momento da vida das pessoas vi o melhor delas e vivi a esperança, e é o que me move a mim e a minha equipa, na tentativa de curar corações e cuidar de quem cuida, na esperança que cuide de nós.
Catarina Faria,
Diretora do Serviço de Cuidados Paliativos do Centro Hospitalar de Leiria
(outubro de 2022)
Caros Alcobacenses:
É com agrado que aproveitamos este espaço gentilmente cedido para nos abrirmos à vossa comunidade que tão bem nos tem recebido e assim ajudar a desmistificar o que são Cuidados Paliativos, conceito ainda mal compreendido.
Os Cuidados Paliativos são prestados por uma equipa multidisciplinar com o objetivo de prevenir e aliviar o sofrimento decorrente de uma doença grave, incurável e progressiva, que pode ser oncológica ou não oncológica - o denominador comum é o sofrimento e o objetivo comum é a promoção do conforto e qualidade de vida.
O Serviço de Cuidados Paliativos do Centro Hospitalar de Leiria conta com uma Equipa Intra-Hospitalar de Suporte, no Hospital de Santo André; e desde 15 de março de 2021 com a Unidade de Internamento em Cuidados Paliativos inaugurada no Hospital Bernardino Lopes de Oliveira, em Alcobaça.
A nossa equipa é constituída por enfermeiras, assistentes operacionais, médica, assistente social e psicóloga. Temos o apoio do Capelão do hospital e de outros serviços de apoio, indispensáveis. Dispomos de oito camas e até ao final de agosto experienciamos já 130 internamentos.
A nossa missão é chegar a todos os doentes e respetivas famílias que no decorrer da sua vida se deparam com uma doença grave ou incurável. Temos tido o privilégio de participar na história de vida de pessoas extraordinárias, trabalhando para lhes oferecer qualidade de vida e conforto através do controlo de sintomas como a dor, a falta de ar ou as náuseas, bem como do alívio do sofrimento existencial e dos medos existentes. Aqui algumas pessoas fecham o seu capítulo de vida, outras regressam a casa com os sintomas mais controlados e as famílias sentem-se apoiadas, mesmo após a perda do seu ente querido.
A “Equidade no acesso aos cuidados paliativos - Não deixe ninguém para trás!” é o mote escolhido para celebrar o Dia Mundial dos Cuidados Paliativos, no dia 9 de Outubro. E são estes os Cuidados Paliativos que queremos que cheguem a todos: um apoio diferenciado, científico, multidisciplinar, com o objetivo de garantir a qualidade de vida da pessoa e família até ao fim de vida.
Ana Oliveira Carvalho
Médica do Serviço de Cuidados Paliativos do Centro Hospitalar de Leiria, Coordenadora da Unidade de Internamento de Cuidados Paliativos do Hospital de Alcobaça Bernardino Lopes de Oliveira - artigo escrito em colaboração com a equipa desta Unidade
Outubro de 2021
Os cuidados paliativos pediátricos pretendem apoiar as crianças com doenças crónicas complexas, e as suas famílias, antecipando eventuais problemas e planeando soluções. Os cuidados paliativos pediátricos devem ser integrados com os cuidados curativos, e são prestados por uma equipa de profissionais de saúde que acompanha a criança e a sua família ao longo de todo o percurso da doença, ou seja, desde a fase de diagnóstico e enquanto necessário. Desta forma, os cuidados paliativos não devem ser considerados cuidados de “fim de vida”!
Por doença crónica complexa entendem-se as doenças com uma duração prevista de, pelo menos, um ano, que carecem de cuidados de saúde diferenciados, sendo o diagnóstico e seguimento efetuados por um centro especializado. São doenças consideradas limitantes ou ameaçadoras de vida, e na maioria dos casos, sem cura.
Os cuidados paliativos pediátricos abrangem a família da criança doente, incluindo irmãos, e eventualmente outros elementos. Crianças que ainda não nasceram e as suas famílias, podem também precisar deste tipo de cuidados, se durante a gravidez for diagnosticada uma doença limitante ou capaz de comprometer a vida do bebé.
Crianças de todas as idades podem necessitar de cuidados paliativos, inclusivamente, muitas crianças podem viver anos e até décadas com doenças crónicas complexas e, consequentemente, com necessidades paliativas.
Os cuidados paliativos são um direito de todos; todos temos o direito a ser cuidados e a receber conforto até ao último dia de vida! Ninguém pode ser deixado para trás!
No dia 8 de outubro de 2021, assinala-se o Dia dos Cuidados Paliativos Pediátricos, e se é habitual utilizarem-se chapéus divertidos para celebrar e animar esta data, este ano, à semelhança do ano passado deverão utilizar-se chapéus e máscaras! A pandemia COVID-19 fez com que as máscaras, já anteriormente utilizadas em diversas circunstâncias e em ambiente hospitalar, se tornassem um equipamento que deverá acompanhar todos os cidadãos no seu dia-a-dia, pelo que nesta comemoração não poderiam ficar de fora, e os profissionais do CHL não ficaram indiferentes a este "movimento".
Estima-se que mais de 21 milhões de crianças de todo o mundo vivem com doenças complexas ou condições limitantes que irão encurtar as suas vidas drasticamente, pelo que tanto essas crianças como as suas famílias necessitam de apoio psicológico, físico e espiritual, o que torna esta causa tão especial!
A Equipa Intra-Hospitalar de Suporte em Cuidados Paliativos do CHL é constituída por médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, entre outros profissionais, com formação específica em Cuidados Paliativos.
O intuito da Equipa é promover o bem-estar, o conforto e a qualidade de vida no âmbito da gestão de terapêutica, sentimentos e emoções. Assegura a dignidade e procura aliviar o sofrimento das pessoas com doença incurável e progressiva. Apoia os familiares/cuidadores e prestamos aconselhamento diferenciado em Cuidados Paliativos aos profissionais de saúde.
O seu lema é "Não tratamos… cuidamos pessoas!!".
Que mais-valias a EIHSCP oferece no seu acompanhamento desde o momento do diagnóstico de uma doença grave?
E – Trabalha em Equipa multidisciplinar para responder às suas necessidades não só físicas, psicológicas, sociais e espirituais
I – Interliga-se com as outras especialidades e equipas para atingir os seus objetivos, promovendo esperança
H – Humanismo, cuidamos de si como se fossemos nós, como pessoa e não apenas doente
S – Suporte, não só para si mas também para a sua família como cuidadora e com necessidade de ser cuidada
C – Cuida de cada detalhe para que cada dia seja vivido intensamente
P – Partilha de decisões, angústias e alegrias… Estamos Consigo e para si!