A Lei de Saúde Mental e os tratamentos compulsivos
A liberdade e a vontade individual têm um valor inestimável. A Psiquiatria e a Justiça são áreas bastante distintas, mas há um ponto em que se aproximam. No nosso país, uma pessoa pode apenas ser privada da liberdade quando é condenada por um crime e lhe é aplicada uma medida de segurança pelo tribunal, ou quando é submetida a tratamento compulsivo ao abrigo da Lei de Saúde Mental. Ambas as situações dependem da decisão de um juiz.
Mas antes de mais, clarifiquemos alguns conceitos. No senso comum, ouvimos frequentemente expressões como “chorar compulsivamente”, quando algo é feito de forma difícil de controlar. Também no campo da doença mental, especificamente na Perturbação Obsessivo-Compulsiva, chamamos de comportamentos compulsivos aos rituais repetitivos, irresistíveis e geradores de uma sensação de alívio quando concretizados.
No entanto, quando aqui nos referimos a tratamentos compulsivos, remetemos para a obrigatoriedade do seu cumprimento, contra a vontade individual e, portanto, sob privação de liberdade. No caso concreto das doenças mentais, o tratamento compulsivo é o tratamento médico que um doente tem de cumprir invariavelmente, porque a Lei assim o exige.
A Lei 36/98, conhecida como Lei de Saúde Mental, é a legislação que regula o tratamento compulsivo. O seu objetivo é proteger as pessoas que padecem de doença mental grave e que, por esse motivo, não compreendem que estão doentes e precisam de tratamento, não aceitando submeter-se ao tratamento necessário.
A aplicação desta Lei implica sempre uma avaliação por um psiquiatra, a autorização de um juiz e obedece a critérios muito específicos. Em Portugal, uma pessoa pode ser privada de liberdade caso padeça de doença mental grave, maioritariamente psicoses como a esquizofrenia ou perturbações do humor como a doença bipolar, que represente perigo para si mesma, para outras pessoas ou bens patrimoniais por descompensação da doença, e que recuse o tratamento proposto pelo psiquiatra. Ao abrigo desta Lei, é possível proceder-se ao internamento contra a vontade num serviço de Psiquiatria, para assegurar tratamento adequado em ambiente protegido com vista à sua melhoria e quando o internamento for a única forma de garantir a sua segurança ou de outros.
Importa destacar que o internamento compulsivo nunca constitui um castigo e não se relaciona diretamente com crimes. Também situações de dependência de álcool ou drogas são excluídas, uma vez que o seu tratamento depende da motivação do indivíduo e é necessário o seu consentimento para um tratamento voluntário ou a aplicação de uma medida judicial específica para esse fim. A Lei de Saúde Mental estabelece ainda os direitos das pessoas internadas como a informação, tratamento digno e humanizado, privacidade e defesa por advogado.
Artigo elaborado por:
Carolina Almeida
Interna de Psiquiatria do Centro Hospitalar de Leiria
(Rubrica “Falemos de Saúde Mental”, publicada mensalmente no Diário de Leiria)