«Desenvolver nacionalmente o cuidado paliativo é a nossa grande batalha»

Daniel Serrão, no Colóquio de Enf. em Saúde Materna e Obstétrica do CHLP

Para Daniel Serrão, antigo professor da Universidade do Porto e da Universidade Católica, «desenvolver nacionalmente o cuidado paliativo é a nossa grande batalha». O professor falava no 5.º Colóquio de Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica do Centro Hospitalar Leiria-Pombal (CHLP), a propósito dos cuidados em fim de vida. O Encontro decorreu quinta e sexta-feira e reuniu cerca de 150 profissionais para partilhar temas relacionados com a preparação para a parentalidade, o empreendedorismo em enfermagem, práticas e cuidados no parto e puerpério, e o acompanhamento de mulheres em fim de vida.

Leonor Silva, da Comissão Organizadora, congratula-se com a adesão ao Colóquio, «que contou com a presença de profissionais de Saúde provenientes dos Hospitais e Cuidados de Saúde Primários da nossa região e de vários pontos do País, como Viseu, Coimbra, Abrantes, Portalegre, Setúbal, Portimão, por exemplo». «Tivemos ainda a oportunidade de abordar diversos temas inovadores, como a laqueação definitiva pelo método ESSURE, o parto verticalizado e o empreendedorismo em enfermagem, sendo que estes dois dias de reflexão  e partilha de experiências que nos enriqueceram e acreditamos darão fruto».
«Este foi sem dúvida um encontro proveitoso para todos, que vem na linha de tudo o que defendemos – e para o que trabalhamos diariamente - no CHLP, o primado do doente e a humanização dos cuidados – que passam também pela aposta crescente nos cuidados paliativos», atesta Helder Roque, presidente do Conselho de Administração do CHLP.

Na opinião de Helder Roque, «o bom médico não é aquele que é bom técnico, é o que está disponível, que põe a mão, que tem sensibilidade para ajudar o outro». «E é isto que aqui praticamos e que é também reconhecido pelos nossos utentes – e é muito bom ver isso, que os nossos doentes reconhecem essa nossa missão - prova disso são os resultados do inquérito de satisfação ao doente internado, com 91% de utentes a considerar a qualidade do serviço prestado como muito boa ou boa».

O primeiro dia do Colóq           uio foi dedicado à parentalidade passo a passo, assumindo cada vez mais os profissionais de saúde um papel preponderante na preparação e no apoio contínuo à família para esta etapa. O trabalho do CHLP neste aspeto é visível, entre outras coisas, no projeto “Mamã, ajuda!” – curso de preparação para o parto e parentalidade; na visita pré-parto; e no apoio e aconselhamento no pós-parto, com o projeto “Buáaa”.

Nesse sentido e perante esse papel crescente do profissional de saúde, especialmente do enfermeiro, na preparação e apoio aos pais e às famílias, sentindo e agarrando essa constante evolução e adaptação às mudanças socioeconómicas, pode-se, no atual contexto da saúde, falar em empreendedorismo em enfermagem. Isto consubstancia-se na procura constante de soluções inovadoras ao serviço das famílias, das mães e dos bebés.

No painel “Mulheres de mãos dadas com o fim de vida”, Daniel Serrão falou das questões éticas que se colocam nesta etapa da vida, especificamente em utentes com patologia oncológica. A obsessão terapêutica é um desses problemas. Seja por parte da família do doente ou do próprio médico, por vezes há a vontade de continuar a fazer procedimentos e a aplicar tratamentos, quando já nada há a fazer. O desgaste e agressão que o utente experimenta ao fazer procedimentos inócuos e desnecessários, colocam em risco a sua vida e podem provocar ainda maior sofrimento nos últimos tempos de vida. Para Serrão, há que saber parar, e nessa altura, dar conforto para os últimos tempos de vida, tirar a dor.

Um outro problema que se põe nesta fase, é o da dor vs. sofrimento. Na doença oncológica, por exemplo, este especialista explicou que o sofrimento, «a dor antecipada pela nossa própria morte» é muito difícil de eliminar, «tiram-se as dores mas não o sofrimento». É neste contexto que pode surgir o pedido de ajuda ao suicídio, dentro do que é a liberdade do sujeito, «a autonomia da vontade». No entanto, segundo Serrão, «é obrigação do profissional de saúde atenuar e lidar para não haver pedido para ajuda ao suicídio», daí que a «grande batalha dos profissionais de saúde portugueses» seja «os cuidados paliativos; que são transdisciplinares, orientados para a saúde. A pessoa é muito mais que a sua doença e isso tem de ser acolhido, e quando o é, o resultado é o completo bem-estar, o doente morre em saúde».
 
«Cuidar é fazer pelo outro o que ele faria por si mesmo se tivesse forças»

Anabela Nunes, enfermeira na Consulta da Dor no IPO de Coimbra, explicou que o objetivo dos cuidados paliativos é criar saúde no final de vida, na sua intervenção “Quando uma palavra de carinho e conforto vale mais que um medicamento”. Para esta profissional, há que ver a pessoa na sua integridade humana, há que atuar na prevenção e alívio do sofrimento, identificando e tratando precocemente o problema, seja físico, psicossocial ou espiritual. «Nos cuidados paliativos há uma avaliação permanente, e uma abordagem global e holística do sofrimento da pessoa», explicou. Para Anabela Nunes, o bem-estar promove-se pela proximidade, cumplicidade, solidariedade e acompanhamento, mas, adverte, «uma palavra só vale mais que um medicamento se conseguirmos maior qualidade de vida».
 
Para esta enfermeira, «o afeto, o carinho, tranquilizam; há que sorrir com a alma, a comunicação não-verbal cria confiança, e na relação terapêutica é preciso também saber escutar». Acrescentando que «cuidar é fazer pelo outro o que ele faria por si mesmo se tivesse forças, se tivesse essa possibilidade». Uma outra questão a ter em mente nesta fase da vida, e à qual profissional de saúde deve estar atento, é a da autonomia do doente. «A família não pode decidir pelo doente. Além disso, a pessoa tem de perceber que faz parte do seu tratamento», deve saber o que tem e o que está a ser feito.

Leiria, 18 de março de 2013